Se a hotelaria do Brasil é grande, há espaço para um novo entrante? Bem, digamos que sim. A rede Selina surgiu no Panamá como uma tentativa de entregar a tão discutida experiência aos seus hóspedes. E essa proposta se encaixa perfeitamente no mercado brasileiro.
Estabelecida no país desde 2018, a empresa de hospitalidade promete chacoalhar os meios tradicionais, seja pelo seu modo de operar ou seu produto propriamente. O Agente de Valor conversou com Flávia Lorenzetti, diretora executiva no Brasil, que garante: nenhum hotel entrega ao hóspede o que a Selina põe à disposição.
A ideia de oferecer um quarto no melhor estilo hostel com serviço aprimorado e uma programação intensa, atrelada ao convívio com a comunidade local, é apenas uma pequena parte do que os panamenhos propuseram lá no início, em 2014.
No comando brasileiro há um ano, Flávia tem a hotelaria em sua formação profissional. Passou por empresas de alimentação como Wendy’s e Outback até ter uma experiência de um ano no setor de hospedagem como gerente do Lorena Flat, em São Paulo. Essa breve rodagem fez com que ela questionasse os caminhos da indústria hoteleira no Brasil.
Jovens que não são jovens
Em uma ligação de Jericoacora (CE), a diretora atendeu a reportagem e falou sobre os novos hábitos de consumo do viajante brasileiro. Se no início apenas os millennialls, pessoas de 21 a 35 anos, eram olhados, hoje, um público “jovem de alma e coração” é observado com mais atenção.
“Enxergamos o público jovem que não é apegado a trabalhar das 9h às 18h em um escritório. Mas percebemos também que há pessoas com o espírito jovem, a quem chamamos de ‘forever 29’, que são aqueles mochileiros de 50 ou 60 anos que se hospedagem com a gente Eles entendem nossa proposta”, destaca.
Em pouco mais de um ano de operação, a Selina tem dois hotéis em funcionamento no Brasil: um na Lapa, no Rio de Janeiro, e outro recém-inaugurado na Vila Madalena, em São Paulo. As diárias partem de R$ 40 e podem chegar a R$ 500.
Este ano será encerrado com a abertura de mais três unidades: Florianópolis, Paraty (RJ), e Aurora São Paulo, no centro da capital paulista.
Como a Selina trabalha
A escolha de uma propriedade sempre será muito bem pensada. Certamente, um hotel da rede jamais será inaugurado do zero. E não necessariamente um hotel será visado. O Selina Madalena São Paulo era um prédio de coworking.
A proposta feita aos proprietários e às proprietárias é a do aluguel do espaço por até 30 anos. O locatário, então, recebe um valor mensal e uma porcentagem adicional pelo investimento em manutenção.
A Selina entra com a operação, enquanto os donos fazem obras de reparo básico como, por exemplo, no encanamento e na fiação elétrica. Concluídas essas reformas, o time da hoteleira entra em campo para dar uma nova cara ao projeto.
O futuro Aurora São Paulo funcionará no antigo prédio do Braston São Paulo. “Nós olhamos lugares que não são comuns, não somos uma marca comum. E são lugares que a gente pode desenvolver o nosso trabalho com a cultura local. Queremos que o hóspede se sinta parte da cultura local”, resume Flávia Lorenzetti.
Influência de fora
Os meios de hospedagens alternativos, como o Airbnb, têm muita influência no modelo de negócios adotado pela empresa nascida no Panamá. Para Flávia, a migração de um hotel tradicional para residências e outros meios trouxe um avanço no tempo.
Entretanto, os hóspedes se isolavam em um ambiente com pouco ou nenhum contato com o mundo externo, segundo ela. “Olhamos aí esse gap e trouxemos esse conceito”, diz a executiva, referindo-se à abertura do espaço para a comunidade participar e desfrutar e à agenda de programação no hotel.
Cada unidade do Selina tem um gerente de experiência. Esse profissional tem a incumbência de oferecer atrativos para os hóspedes, que vão de aulas de ioga a palestras sobre determinados temas nas áreas comuns. Contudo, se o usuário estiver a fim de passar um tempo sozinho, ele tem à disposição uma biblioteca, cinema, entre outros.
“Hotelaria acomodada”
Flávia Lorenzetti viaja o Brasil em busca de novos negócios para integrarem o portfólio da Selina. Ela, todavia, se mostra um tanto insatisfeita quando chega em um hotel e se depara com a mesma estrutura. “É sempre aquele quarto com uma cama, uma mesa de trabalho, o mesmo carpete. Alguns [hotéis avançaram], mas muitos ainda entregam uma experiência chata”, diz.
A executiva ainda acredita que o setor hoteleiro no Brasil parou no tempo. Ou seja, não dedicou tempo e investimentos para se reinventar nos últimos anos, acredita. Sua crítica é direcionada, sobretudo, às grandes redes nacionais e internacionais, enquanto propriedades independentes ou butique viram essa movimentação acontecer.
“A hotelaria se acomodou, perdeu o fio da meada. Por que não mudar a forma de atendimento quando as pessoas estão conectadas?”, indaga, em alusão do coworking. “Por que não personalizar o atendimento? Existe muito o ‘servir’ na hotelaria, mas esse ‘servir’ está distante, não tem calor. Os hóspedes querem ser ouvidos e sem sentir importantes”, completa.
Nos últimos anos, porém, grandes marcas têm buscado recuperar o espaço perdido. Ainda que tenham investido em novos produtos, Flávia acredita que melhorias precisam ser feitas em serviço e experiências.
Selina daqui pra frente
Para 2020, a Selina abrirá novos hotéis no Brasil, mas ainda não há contratos assinados, garante a porta-voz no país. Em resumo, Nordeste, Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro estão no radar. A expectativa é que duas mil camas estejam à disposição até dezembro do ano vem. Para se ter uma ideia, o número mínimo aceito para a rede panamenha é de 180 leitos, podendo chegar a 220.
Uma questão que deve ser resolvida até o fim de 2019 é a atualização do site em português. Até então, as informações dispostas e as reservas são feitas em uma página completamente em inglês.
As compras de quartos, aliás, são realizadas pela maior parte em agências de viagens on-line, as OTAs, com 60% da movimentação. A inclusão do endereço na língua portuguesa juntamente com o aplicativo no celular traz expectativas no aumento das vendas diretas.
“Hoje em dia, quando chego em alguma cidade logo penso ‘que faz falta um Selina aqui’”, finaliza Flávia Lorenzetti, prometendo 40 hotéis em funcionamento no Brasil em cinco anos.