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Inteligência Artificial e viagens: Já chegamos lá?

Inteligência Artificial e viagens: Já chegamos lá?
Saulo Reis - BWT Operadora
out. 4 - 6 min de leitura
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Esta semana li um artigo muito interessante de Timothy O’Neil-Dunne sobre esse assunto, que me levou às conclusões que compartilho com vocês a seguir.

A inteligência artificial parece estar se tornando a solução para tudo - mas confesso que ainda sou cético no que diz respeito ao setor de viagens, onde identifico um risco na dependência excessiva nos resultados da IA para as empresas. Minha conclusão é que, no mercado das viagens, a IA está sendo superestimada. A seguir, exploro dois temas especificamente voltados para o setor:

Tema 1: Investimento das big techs e seu impacto nas startups

O cenário de investimentos em startups de viagens mudou, especialmente após a pandemia. Embora menos startups estejam atraindo financiamento, as que conseguem estão garantindo quantias substanciais, com o financiamento médio por rodada aumentando de R$ 20 milhões em 2010 para R$ 100 milhões em 2022.

Essa tendência sugere que, embora o financiamento seja mais seletivo, as gigantes da tecnologia e os investidores estão mais dispostos a apoiar players estabelecidos ou aqueles que demonstram rentabilidade. A consolidação do mercado dificultou a entrada de novos concorrentes, já que os investidores preferem financiar líderes de categoria em vez de empresas menores com potencial limitado de disrupção.

Gigantes da tecnologia como Amazon, Google e Microsoft investiram bilhões em infraestrutura em nuvem, análise de dados e tecnologia de IA. Esses investimentos criam um ecossistema onde as startups podem acessar recursos que antes eram reservados somente aos gigantes do setor.

No entanto, As últimas pesquisas da McKinsey focadas em IA revelam que essa onda de investimentos tem favorecido startups maduras, deixando empreendimentos mais jovens e com menor grau de valização em terreno instável. Embora as startups de hospitalidade continuem sendo a categoria líder em financiamento, outros setores como planejamento pré-viagem e atendimento ao cliente recebem muito menos investimento. Além disso, apenas 5% do financiamento de startups de viagens em 2021 veio das próprias empresas do setor, refletindo uma dependência excessiva das gigantes da tecnologia e do capital de risco para impulsionar a inovação.

Essa abordagem levou a fracassos tão grandes como inesperados: por exemplo, a Lola, uma startup de gestão de viagens baseada em IA que contava com uma equipe de estrelas, encerrou suas atividades apesar de ter levantado mais de US$ 400 milhões em financiamento de risco.

Da mesma forma a Hitlist, que utilizava IA para oferecer ofertas de viagens personalizadas, desapareceu devido à falta de monetização efetiva. Esses casos evidenciam uma verdade dura e simples: grande investimento nem sempre significa sucesso. A tendência do setor de priorizar tecnologias promissoras frequentemente ignora suas limitações práticas, resultando em um cenário repleto de ilustres vencedores e ilustres fracassados.

Tema 2: Os agentes digitais são a resposta?

Seja on-line ou off-line, o setor de viagens sempre dependeu dos agentes, certo?

Com o advento dos agentes digitais (chatbots de IA, assistentes virtuais), há uma promessa de uma experiência automatizada e sem problemas - no entanto, o risco novamente reside na dependência excessiva. Os humanos ainda superam a IA com enorme vantagem em fornecer respostas empáticas e com diferentes nuances, bem como em gerenciar cenários complexos, características que a IA ainda está longe de replicar totalmente.

Parte desse desafio é a natureza multidimensional das viagens, dado que os humanos são bons em ver e conectar padrões que a lógica pura pode não captar. Modelos de IA como ChatGPT e Gemini oferecem ferramentas poderosas para automatizar certos aspectos do atendimento ao cliente, mas ficam devendo (e muito) em situações que exigem compreensão contextual e inteligência emocional. Grandes Modelos de Linguagem (LLMs) são, em sua maioria, genéricos e carecem principalmente do contexto específico de viagens. Tenho visto desenvolvimentos muito interessantes no uso de LLMs baseadas em dados privados, mas ainda estamos engatinhando nisso.

Um desafio para o qual devemos estar alertas é também uma faca de dois gumes: Muito foco traz profecias autorrealizáveis (há muitos experimentos sobre este tópico). O outro desafio é que os bots estão gerando seus próprios bots - assim como nas mídias sociais, acabamos caindo em “câmaras de eco” de conteúdo.

Os agentes digitais podem lidar com consultas básicas, mas o valor da supervisão humana continua sendo essencial. O risco das empresas de viagens se apoiarem cegamente na IA é a potencial perda do serviço personalizado, que sempre foi um pilar da experiência de viagem, e o setor corre o risco de superestimar a IA como uma solução universal ao não levar em conta essas limitações. O reconhecimento de padrões precisa avançar muito em poder e sofisticação para funcionar nessa área.

IA em viagens - superestimada ou o futuro?

É óbvio, é claro, é lógico, é evidente que a IA terá um papel cada vez mais importante nas viagens. Mas este papel ainda é, e por muito tempo será, complexo (pra dizer o mínimo). Embora o investimento em larga escala por gigantes da tecnologia possa impulsionar as startups, até agora isso não fomentou um ecossistema amplo e competitivo.

Os agentes digitais oferecem conveniência, mas ao custo potencial do toque humano – em viagens, onde a experiência do cliente é primordial, a natureza superestimada da IA se torna evidente. Para que a IA realmente beneficie as viagens, ela deve ser vista sempre como uma ferramenta para aprimorar os agentes humanos, não para substituí-los.

Para as startups, eu só digo o seguinte: por favor, parem de tentar resolver os problemas macro e foquem em dores específicas das empresas de viagem, por dois motivos:

  1. Vocês já estão atrasados, e
  2. Vocês não têm alcance nem profundidade suficientes para conseguir.


Do modo que eu vejo, as startups podem se tornar realmente relevantes é na solução de problemas-chave no meio e no final do stack tecnológico. E, por último, mas não menos importante: encontrem uma maneira de trazer confiança aos resultados!

Posso estar cético, mas também estou otimista.


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